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O plantio de mudas é um trabalho coletivo para reflorestar e curar com medicina da floresta os índios (Imagem do Centro Olawatawah) |
Por Francisco Costa – @FCostaReal – No dia 04 de julho de 2021, publicamos essa reportagem e estamos reproduzindo em razão da inauguração do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa que acontecerá no dia 19 de março de 2023.
VEJA A REPORTAGEM:
Apenas em outubro de 2020, o desmatamento nas florestas no estado de Rondônia, região Norte do Brasil, teve crescimento de 88%. Os dados foram feitos por um sistema próprio do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Focos de desmatamento subiram de 56 km² para 105 km² em 30 dias. O estado se mantém entre a terceira e quarta posição do ranking (com 2% do total) das regiões com mais alertas de perda de floresta, ficando atrás de Mato Grosso (55%) e Pará (38%).
Até maio de 2021, Rondônia ainda liderava a destruição das florestas com aumento de 101% no desmatamento. De acordo com estudo publicado no início de 2020 pelo Mapbiomas, o estado perdeu 70 mil km² de suas floresta em quase 30 anos.
Isso corresponde a 10 mil campos de futebol do tamanho do Maracanã, no Rio de Janeiro. Além do bioma, os povos indígenas são os mais afetados pelas queimadas e derrubadas de madeiras para expansão do agronegócios.
As ações de crimes ambientais ganharam contribuição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que estimula o desmonte das políticas de proteção e preservação do meio ambiente no Brasil.
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Desmatamento em Rondônia. (Foto: Divulgação/Greenpeace/Marizilda Cruppe/EVE) |
Levantamentos do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ligado à Igreja Católica, e do governo federal dizem que até 2015 Rondônia tinha mais de 15 mil índios em seu território. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), contabiliza mais de 27 terras indígenas, ocupando 21,05% do território estadual.
Índios estão plantando raízes de esperança para a floresta voltar a ter vida.
Mas enquanto a destruição do meio ambiente avança de Norte a Sul do Brasil, pequenos projetos de sustentabilidade vão ganhando vida e dando esperança. E são as populações tradicionais que estão dispostas a reconstruir o que o próprio homem destrói.
A Terra Indígena Sete de Setembro é localizada entre os municípios de Cacoal, Espigão D’Oeste e Rondolândia, nos estados de Mato Grosso e Rondônia. Ocupa uma área de 248.146,9286 hectares, onde vivem mais de mais de 1.200 índios Suruís.
Foi o sertanista da Funai, Francisco Meireles, que criou o acampamento (1969), quando uma epidemia de sarampo dizimou mais de 300 índios após contato com homem branco e civilizado (1973). O território foi demarcado em 1976, mas só foi reconhecido como posse definitiva da tribo, sete anos depois.
O povo Suruí (significa gente de verdade, nós mesmos) tem sido alvo frequente do tráfico ilegal de madeira e exploração de recursos minerais (ouro, diamantes). Há 14 anos a Funai identificou ao menos 15 pontos de extração ilegal de recursos florestais na Terra Indígena Sete de Setembro. De lá, a madeira seguia para serrarias de Rondônia e do Mato Grosso.
A extração de madeira provocou doenças, como tuberculose, reduziu a caça, pesca, mudou a cultura e os hábitos alimentares fazendo os índios dependerem cada vez mais de alimentos industrializados. Em 2007, os Suruís criaram um Plano de Gestão de créditos de carbono para os próximos 50 anos e adotaram várias iniciativas de sustentabilidade, preservação e proteção do meio ambiente.
Uma delas foi a criação, há sete anos, do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa. O projeto é feito pelo povo Suruí numa área de três hectares dentro da Terra Indígena Sete de Setembro, na comunidade da aldeia Paiter, linha (estrada) 09 (distante 500 metros da aldeia) em Cacoal, que fica a 480 km de Porto Velho, RO.
O centro promove o plantio de mudas para estimular o reflorestamento e o uso dessas plantas para cura de doenças e vivência dentro da aldeia. Olawatawa na língua (Tupí, linguística Mondé) do povo Suruí, significa “lugar de cuidar de mim”.
“Foi criado com objetivo de preservar o patrimônio cultural, territorial, para resgatar e preservar o conhecimento e cultura tradicional indígena como o uso das plantas medicinais. Nosso povo começou a sofrer as transformações devido ao contato com não indígena há quase 50 anos. E essa preocupação ocorreu, porque os anciões estão diminuindo a cada ano e são eles que detém o conhecimento e necessitam transmitir para os mais jovens”, diz Naraiamat Surui, coordenador do projeto que conta com ajuda e apoio de mais 25 índios.
Naraiamat é do povo Paiter Suruí, do clã Kaban. Os pais dele nunca tiveram oportunidade de ir à escola. Mas ele deixou seu povo aos 13 anos de idade para estudar o ensino médio na cidade mais próxima, Cacoal, RO.
Fez um curso de gestão de projetos em Manaus, Amazonas, pela Coiab (Coordenação das Organizações indígenas Brasileiras). Depois voltou para Rondônia, onde se formou em técnico de enfermagem, mas nunca teve oportunidade de trabalhar na área.
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Naraiamat Surui é coordenador do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa em Cacoal, RO (Arquivo Pessoal) |
Sua militância indígena e ambiental começou ainda na juventude, participando de vários movimentos. Aos 25 anos, começou a ter ideia de construir um Centro com objetivo de valorizar e fortalecer a sua própria cultura tradicional. E hoje ele é um dos líderes dentro do povo Paiter Suruí, coordenador e idealizador de um dos maiores projetos locais de sustentabilidade. Já viajou para vários estados do Brasil e países da Europa com objetivo de buscar parcerias e apoio.
Naraiamat Suruí diz que sempre carregou a ideia de contribuir e ajudar seu povo para lutar pelos seus direitos.
“E a minha luta não acabou ainda, apenas está começando. E quero um dia deixar a minha história como exemplo de luta para as futuras gerações”.
Como funciona o Centro das Plantas Medicinais
Com tantos impactos ambientais na vida do Povo Suruí, o projeto é uma forma de proteger a terra Sete de Setembro, reflorestando as áreas degradadas, estimulando o uso do território para uma qualidade melhor da biodiversidade.
Além de valorizar a cultura da medicina tradicional através da plantio de mudas, o Centro estimula uma vida melhor a partir do respeito e conhecimento da natureza.
“O Centro também desenvolve a atividade de receber as visitas, onde as pessoas possam ter conexão direta com a natureza, sentir no corpo a mudança total da energia natural do espaço e assim aprender a importância do valor da floresta. E recebemos visitantes indígenas e não indígenas com nossos cantos e danças tradicional, comidas típicas no modo Paiter e entre várias outras atrações”, diz Naraiamat.
Sem ajuda de governos, a iniciativa já foi reconhecida com premiação e conta com apoio de quatro instituições nacionais e internacionais. A Embaixada de Luxemburgo no Brasil foi até a aldeia conhecer o projeto.
Uma das instituições que apoiam o Centro compra as mudas de plantas e doa para o viveiro onde o trabalho é coletivo. “Todos participam. As crianças ajudam a encher as sacolinhas, as mulheres preparam alimentos para o mutirão, os homens fazem o trabalho mais pesado. É um momento de união da comunidade. Quando chega a época da chuva, começamos as plantações de mudas para reflorestamento de área degradada.”, diz o coordenador.
Para extrair as plantas corretas que promovem curas de doenças é usada a experiência dos índios mais velhos. Mas a ideia é formar profissionais que possam empregar novas técnicas.
“Nossos anciões são os próprios profissionais que acompanham este conhecimento. Mas, estamos buscando parcerias com as universidades para que nossos jovens possam frequentar cursos na área de saúde, para que um dia eles próprios possam trabalhar aqui no Centro e ajudar a comunidade. Temos em nosso meios, professores, acadêmicos, alunos e enfermeiros, mas trabalhamos juntos, dentro da missão da comunidade que é o Centro Olawatawa”.
Desde 2019 foram plantadas mais de 2500 árvores de madeiras nobres e frutíferas na aldeia. Pode parecer pouco diante do avanço da derrubada da floresta, mas é muito onde praticamente não existem alternativas de sobrevivência para a natureza.
Em 2015 quando todo o projeto iniciou, foram adquiridas 50 novas mudas de espécies distintas. “Trabalhamos com várias espécies de plantas medicinais, árvores frutíferas, arvores de lei. Plantamos também material artesanal e árvores de semente. A nossa meta é plantar e preservar para as futuras geração. O meu sonho é muito maior do que a minha dificuldade”.
O Pangaley, por exemplo, é uma raiz que é usada como antibiótico pelo povo Suruí. “É um medicamento muito importante para nós e muitas vezes, diariamente, usamos essa planta para manter o nosso corpo em equilíbrio”, diz Naraiamat Surui.
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Pangaley é uma raiz de cor forte usada como antibiótico para cura de várias doenças (Imagem do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa) |
“Os resultados de curas aqui no centro são positivos, como na cura de febre, dor de cabeça, dor de barriga, e vários outros sintomas”, descreve Naraiamat Surui.
No início da pandemia os índios Suruís registraram crescimento de 240% dos casos de Covid-19. Segundo Naraimat, foi a medicina da floresta que curou muitos deles.
“Antes da vacina usamos muito medicina tradicional aqui no espaço, muitas pessoas foram infectadas com Covid-19, com graves sintomas e foram curadas. Em nenhum momento elas usaram os medicamentos das farmácias. E continuam usando as plantas daqui, mesmo vacinadas”, diz.
Naraimat afirma que seu pai de 62 anos de idade, foi curado da Covid com remédios da floresta.
“Quando o vírus chegou na aldeia, ficamos isolados na floresta por quatro meses. Naquela época não tinha vacina. Usamos muitas plantas neles. Ele usou várias espécies de plantas misturadas. Ele ficou tomando chás diariamente e banho com plantas. Depois de uma semana, ele ficou curado, segundo exames. A nossa planta tem muito potencial, mas a gente não dá valor e usa remédios das farmácias. Então, hoje, estamos valorizando e fortalecendo a medicina nossa”.
“O meu sonho é muito maior do que a minha dificuldade”
Naraiamat Suruí é determinado com a criação e manutenção do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa. Passou por cima de inúmeras dificuldades para tornar seu projeto uma realidade.
Hoje ele se diz otimista com os resultados e espera que sua experiência possa estimular novas gerações.
“A todo momento criamos o passado vivendo, alcançando o futuro e deixando para trás nossa história. Preservar a nossa floresta, o nosso conhecimento tradicional e a nossa história é ensinar as próximas gerações a lidarem com problemas, que já ocorreram, e assim formar as nossas crianças cada vez mais inteligentes e prontos para lidar com o que vier. Sem a história e sem a sua floresta, que é a sua casa, um povo pode acabar se perdendo. Desde os primórdios aprendemos a eternizar o que vivemos para gerar conhecimento aos próximos povos”.
O centro não é uma experiência apenas de reflorestamento ou cura de doenças a partir de remédios extraídos da floresta.
“Quando criei o Centro, eu pensei que eu estava lutando apenas para minha comunidade e hoje eu vejo que estou lutando pela vida da humanidade. O meu povo já venceu tantas batalhas, venceu o fantasma de deixar de existir. Eu tenho muito respeito à minha própria cultura. Todos nós temos o mesmo direito à vida. Eu desejo que, daqui a alguns anos, as futuras gerações já tenham criado outros mecanismos. Que esse projeto do Centro Olawatawa seja um plano de resistência. Que possamos demonstrar para a sociedade que é possível viver em harmonia com os recursos naturais, seus costumes e rituais. Desejo que consigamos o respeito que nós merecemos”.
“Desejo que nossos filhos, amanhã adultos, sejam os gestores desse projeto, coordenando, que darão novos rumos a este trabalho tão importante, que sejam seus próprios médicos, dando outras direções à medicina ocidental, com seus conhecimentos e curas. Desejo que eles possam realmente melhorar o mundo, que todos deem valor para seu território, seus costumes, seus rios, porque o espírito do rio cuida da nossa saúde. Queremos uma boa educação dentro da lei da natureza para nossos filhos”, declara Naraiamat Suruí.